Um detox de consumismo em Cuba

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Recém chegada em Havana, sabia de nada, inocente.

Embora separadas por um oceano de diferenças culturais, Miami e Havana estão a menos de 400km de distância uma da outra, o que torna essa relação muito estranha e interessante. Assim que desembarquei no Aeroporto Internacional José Martí, assistia televisores gigantescos passeando pela esteira, enquanto esperava pela minha bagagem que demorou mais de duas horas para aparecer. Caixas e mais caixas de full HD, 3D, 4K, 60 polegadas, coisa que eu nem sabia que existia, muito menos por aqui. Mais tarde, descobriria que ter uma televisão dessas em um lar cubano pode alavancar a economia de uma família, que cobra por volta de 3 dólares uma entrada para o cinema caseiro.

Desde que Raul Castro permitiu a exploração do turismo no país e regulamentou os pequenos negócios familiares, os ventos da mudança estão soprando suavemente por aqui. Muito mais do que a visita do Obama ou a morte do Fidel, o que realmente está mudando Cuba é a circulação do dinheiro e o nascimento do empreendedorismo em um dos últimos países do mundo que ainda resiste ao capitalismo.

Um cubano que aluga o quarto para um turista, faz uma corrida de carro do aeroporto para o centro de Havana no seu Lada velho ou serve uma refeição completa e caprichada para um casal em seu restaurante caseiro (chamado de paladar) ganha de 25 a 30 dólares. É o mesmo que o salário médio de um mês inteiro de trabalho. Por isso não é difícil adivinhar por que todo mundo quer empreender em Cuba. E neste cenário surgem negócios surpreendentemente criativos como a revitalização de roupas usadas pelos designers descoladíssimos da marca Clandestina (uma proposta genial da qual falarei num próximo post).

Também é deste movimento que começa a surgir um tipo de quebra no sistema de igualitarismo idealizado por Fidel. Afinal, quem pode explorar o turismo está ganhando muito mais do que os outros, certo? É verdade. Mas também é verdade que apesar da pobreza, não há miséria. Uma vez que todos tem acesso ao básico, a diferença social que começa a aparecer ainda é muito rasa comparada ao abismo que temos no Brasil, só para dar um exemplo.

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Restaurante que funciona em um dos cômodos da casa.

Esta é apenas uma introdução para contextualizar minimamente minha experiência em Cuba, já que é seguramente impossível compreender toda a complexidade da vida cubana em uma visita. O fato é que a semente do capitalismo já brotou, enquanto o socialismo ainda não morreu. O que faz deste lugar um destino incrível para dar um nó na sua cabeça e um detox definitivo no consumismo.

Apesar da cultura pop influenciar visivelmente os jovens cubanos, que querem parecer  cool como qualquer jovem do planeta, eles estão se virando muitíssimo bem sem as fast fashion. Todos dão seu jeito. As funcionárias do governo usam meia-calça preta rendada por baixo do uniforme, os meninos adotam o corte de cabelo dos jogadores de futebol, muitas cores e roupas justíssimas enfeitam as meninas a caminho da balada. Que aliás, são muitas.

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Taxista e estiloso.

O pouco dinheiro extra que os cubanos conseguem, investem em diversão. Dados do Departamento Nacional de Estatística de Cuba mostram a presença constante dos cubanos na ocupação dos hotéis (mais de 7 milhões de diárias em 2014) e também é bastante comum encontrar moradores nos restaurantes e bares da cidade, com exceção dos lugares mais chiques. Encontrar cubanos apreciando sua malta gelada no fim do dia é uma rotina em Havana. Até mesmo em Varadero, a praia mais famosa e desejada de Cuba, é frequentada pelos locais. Isso me agrada particularmente, pois não é comum em outros destinos caribenhos como Bahamas e Cancun, onde a maioria dos nativos apenas servem as mesas.

Espero que essas características sejam preservadas durante a transição gradual e inevitável ao capitalismo. É uma sociedade que avançou muito nos últimos 50 anos. Enquanto os prédios e carros se deterioravam ao seu redor, a população cubana se desenvolveu profundamente por dentro. Citando uma comparação um pouco boba mas bastante realista do guia Lonely Planet, “Cuba é um príncipe em um casaco de homem pobre”.

Quando perguntei para Bárbara, uma senhora muito fina que me recebeu em Havana, se os adolescentes não se ressentiam em não poder usar roupas novas como as dos turistas, ela pareceu não entender a pergunta. Depois de refletir um pouco, respondeu “é como eu ensinei aos meus filhos: o mais importante para a imagem de uma pessoa é estar com as roupas limpas, costuradas onde estiverem rasgadas e saber bem do que fala. Não adianta nada estar com roupas bonitas e da boca só sair besteira”. Uma bela lição de moral, mas não foi a primeira e nem a última que recebi em Cuba. Recomendo fortemente.